ABORTAMENTO DE REPETIÇÃO

ABORTAMENTO DE REPETIÇÃO

Abortamento habitual é a condição em que a paciente passa por três ou mais abortamentos espontâneos consecutivos.
Na prática, porém, quando ocorrem duas perdas sucessivas já se inicia uma investigação diagnóstica.
O aborto é comum durante a gestação. É algo que se verifica entre 15 a 25% das mulheres que engravidam, dependendo da faixa etária da paciente. Quanto maior a idade, maior o risco.
Na maioria das vezes, os abortos se sucedem por acidentes na formação dos embriões. Quando estes são gerados com um número de cromossomos anormal (diferente de 46), ocorrem fetos malformados, cujo desenvolvimento na maioria das vezes não se completa.

O abortamento habitual, por outro lado, é bem mais raro e envolve várias outras causas. As principais são: alterações hormonais, alterações cromossômicas, infecções, alterações anatômicas ou desordens uterinas, produção de anticorpos maternos contra o embrião ou a placenta (fator imunológico), fatores sem causas conhecidas ou idiopáticos (muitas destes podem ser perturbações genéticas), causas ambientais ou intoxicações por produtos químicos.

Anomalias nos cromossomos de um dos pais podem estar presentes em 3 a 8% dos casos e podem ser diagnosticados pelo exame do cariótipo colhido do sangue do casal. O cariótipo mostra se o número de cromossomos está correto, se falta um segmento em um determinado cromossomo ou, ao contrário, se há frações em excesso em algum deles.

Quando ocorre um abortamento, o material retirado do útero permite a análise do cariótipo fetal. Se o resultado for normal, praticamente se exclui a possibilidade de problemas nos cromossomas dos pais.

Entre os fatores possivelmente relacionados com abortamentos de repetição estão o contato constante com tetracloroetileno (um produto presente na lavagem a seco) e o uso excessivo de álcool e cigarro, principalmente se consumidos diariamente. Já se falou muito sobre cafeína e gases anestésicos, mas já foram descartados como possíveis causas.

As alterações endócrinas como deficiência de progesterona, diabetes, problemas da glândula tiroide e síndrome dos ovários policísticos também têm sido associados a abortamentos de repetição.
A progesterona é o hormônio produzido pelo ovário após a ovulação; seu papel é levar ao útero, por meio da corrente sanguínea, a informação para que o endométrio e suas glândulas se encham de sangue e sintetizem o máximo de substâncias para nutrir o embrião,
que se implantará ali. A progesterona nada mais é que o comandante que transforma a matriz uterina e a membrana que o reveste (endométrio) em um ninho, para ali se desenvolver o feto e a placenta.
Na deficiência de progesterona, o solo uterino se torna árido e o embrião não prossegue seu desenvolvimento após atingir o útero. Ele pode interromper a evolução antes do atraso menstrual e, nesse caso, a pessoa nem se dá conta de que houve fecundação, ou o abortamento pode ocorrer mais tardiamente, até o terceiro
mês de gestação.
Para se diagnosticar a deficiência de progesterona, devem ser feitas dosagens sanguíneas desse hormônio, pelo menos uma oito a dez dias após a ovulação. No mesmo dia, procede-se à biópsia do endométrio, que consiste na retirada indolor de um pequeno fragmento do endométrio por meio de uma sonda introduzida no útero. Esse fragmento é encaminhado ao laboratório para análise microscópica, na qual se verifica se o endométrio estudado está em um estágio de desenvolvimento compatível com o dia da coleta. Se o estágio verificado ao microscópio for inferior a dois dias, quando comparado ao dia da coleta, constata-se que o endométrio está subdesenvolvido e, portanto, há deficiência de progesterona. Níveis de progesterona inferiores a 5 ng/ml também indicam deficiência.
O tratamento é um dos mais promissores se a reposição de progesterona for iniciada, de preferência, com comprimidos administrados por via vaginal, desde a ovulação até o terceiro mês da gestação. O risco de abortamento passa a ser igual à da população em geral, ou seja, entre 15 e 20%.

Dentre as causas anatômicas, as mais comuns são: miomas localizados na cavidade uterina (ditos submucosos), septos e cicatrizes uterinas.

Os miomas submucosos causam cólicas, sangramento menstrual exacerbado e abortamentos, pois fraudam o desenvolvimento do feto devido à pouca vascularização sanguínea da sua superfície, e aumentam a contratilidade uterina, favorecendo a expulsão fetal.
Os septos são defeitos congênitos; a pessoa nasce com uma parede que divide a cavidade uterina em duas.
Como o septo é um tecido com pouca irrigação sanguínea, ele impede o crescimento do embrião que se implanta ali.
As cicatrizes uterinas são sequelas de curetagens realizadas geralmente após um abortamento, com finalidade de limpar o órgão matriz. A paciente com cicatriz no interior do útero pode apresentar diminuição ou ausência de menstruação. Como no septo, o tecido fibroso e mal irrigado da cicatriz não permite a implantação embrionária.
O diagnóstico de todas essas aberrações é feito pela histerossalpingografia, um raio X contrastado do útero e confirmado pela vídeo-histeroscopia. Essa técnica consiste em uma endoscopia uterina que permite não só visualizar essas alterações, mas também removê-las cirurgicamente sem cortes ou suturas, corrigindo as anomalias.

Abortamentos mais tardios (quarto, quinto ou sexto mês de gravidez) podem ser causados por incompetência istmocervical (IIC). Nesse caso, o orifício do colo do útero, como o gargalo de uma garrafa, abre-se com o peso do saco gestacional, permitindo que o produto conceptual seja expelido pela vagina de maneira praticamente indolor. A pessoa pode nascer com IIC ou pode adquiri-la em consequência das dilatações forçadas que o médico é obrigado a fazer durante a curetagem para a limpeza da cavidade uterina pós-abortamento.
O exame clínico, a histerossalpingografia e o USG transvaginal na gestação são os instrumentos eleitos para se diagnosticar a principal causa de abortamentos tardios (após o terceiro mês).
A circlagem, uma sutura realizada ao redor do colo do útero entre o terceiro e quarto mês da gravidez, que restaura a continência do órgão matriz, é um tratamento com ótimos resultados.

Embora vários tipos de vírus possam causar abortamentos esporádicos, como essas infecções são passageiras, elas não são causas de perdas de repetição. Por outro lado, algumas bactérias podem se instalar silenciosamente o trato genital feminino e sabotar a evolução embrionária. São exemplos os microrganismos micoplasma e clamídia. As pesquisas de secreções no interior do útero revelam a presença dessas bactérias, e o tratamento com antibióticos é bastante efetivo para banir essas criminosas.
Mulheres que produzem determinados autoanticorpos, denominados antifosfolípides, estão sujeitas a perdas fetais e trombose. Esses anticorpos, conhecidos como anticardiolipina e anticoagulante lúpico, desencadeiam reações no organismo que agridem as paredes de vasos sanguíneos e ocasionam a formação de trombos que obstruem esses vasos. Se presentes em quantidade elevada, as pacientes acometidas devem receber injeções de anticoagulantes e baixas doses de aspirina durante toda a gestação, para diminuir o risco de trombose e infarto placentário, que é o que determina a morte fetal.

Sendo assim, um casal com perda gestacional de repetição deve ser submetido aos seguintes exames, inicialmente:

Cariótipo do casal e, quando possível, fetal.

Pesquisa e ou cultura na cérvice uterina de micoplasma
e clamídia.

Histerossalpingografia e ou histeroscopia.

Hormônio Tireoestimulante (TSH), glicemia e prolactina.

Níveis de progesterona, oito a dez dias após a ovulação.

Avaliações autoimunes: pesquisa de anticorpos anticardiolipina
e anticoagulante lúpico.

Os exames questionáveis são para pesquisa de trombofilias:

dosagem de antitrombina III, proteína c, proteína s, mutação da protrombina G, pesquisa do fator V de Leiden, homocisteína.

Outros discutíveis são para avaliação do sistema HLA antígenos presentes nos leucócitos ou glóbulos brancos): cross-match ou prova cruzada de leucócitos.

Quando um casal com histórico de abortamento habitual é incapaz de conseguir sucesso naturalmente, outras modalidades de tratamento devem ser propostas.
Opções para melhorar as probabilidades de concepção pela mãe, como o uso de superovulação, inseminação artificial ou fertilização in vitro, podem ser considerados. Em casos mais difíceis, métodos como
doação de óvulos ou espermatozoides, barriga de aluguel ou adoção podem ser indicados.
Os sentimentos de perda e frustração causados pela perda gestacional recorrente se equiparam aos da infertilidade. Não é simplesmente um feto que se elimina, mas a perda de um filho e de todos os sonhos nele projetados.
A mulher que tem abortamentos espontâneos sucessivos não sabe se fica feliz ou triste ao receber o resultado positivo de um teste de gravidez.
Se você vive essa situação e se sente culpada por não estar conseguindo manter a gestação, saiba que o pecado não é seu. O simples fato de tentar de novo mostra o quanto você deseja este filho. Se procura ajuda médica e se submete a testes estressantes, é porque você, mais do que ninguém, faria qualquer coisa para ter esse filho. E certamente está fazendo o melhor que pode.

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