Aproximadamente 30% dos fatores de infertilidade são motivados exclusivamente pelo homem; 20% das causas são mistas. Portanto, o marido está envolvido em metade dos casos. É por isso que sempre se deve fazer a investigação também no parceiro do sexo masculino, mesmo quando se sabe que a mulher tem algum problema (anovulação ou laqueadura tubária, por exemplo).
A avaliação masculina também tem como objetivo detectar condições que impeçam a gestação natural. Isso poupa o casal de tentativas infrutíferas que só aumentam o estresse.
Algumas causas genéticas que possam ser transmitidas para os filhos também podem ser diagnosticadas. Por fim, muitas vezes, uma alteração no espermograma pode revelar a existência de algumas doenças que põem em risco a vida, como câncer de testículo.
COMO SURGEM OS ESPERMATOZOIDES
Os espermatozoides são formados nos túbulos seminíferos pela transformação, divisão e diferenciação de células precursoras imaturas, as células germinativas.
Esse processo é estimulado pela ação da testosterona, um hormônio produzido em células vizinhas, as células de Leydig, que estão sob o comando do hormônio LH, sintetizado pela glândula hipófise, localizada no cérebro. Em suma, a hipófise libera LH, que estimula a produção de testosterona, que promove a proliferação de espermatozoides pela transformação das células germinativas. A formação do espermatozoide dura em média setenta dias.
Os espermatozoides fabricados nos túbulos seminíferos migram pelos ductos deferentes para o epidídimo, um reservatório onde sofrem um processo de amadurecimento e adquirem motilidade e capacidade de fertilização. No epidídimo ainda ocorre a remoção de radicais livres, que seriam prejudiciais ao bom funcionamento dos gametas masculinos. O epidídimo mede de 3 a 5 metros, se esticado. Os espermatozoides demoram vinte dias, em sua passagem pelo epidídimo, para se tornarem maduros. Portanto, o processo de formação dos espermatozoides leva em média noventa dias, e qualquer resposta a um tratamento só é factível de análise após esse período.
Os testículos e o epidídimo estão na bolsa escrotal, fora da pelve, e isso tem uma razão especial: os espermatozoides devem ser gerados em uma temperatura abaixo da do restante do corpo. Qualquer fator que aumente a temperatura local do escroto implica queda da espermatogênese.
Igualmente, qualquer processo que agrida as células germinativas, como drogas, infecções, quimioterapia, causa a diminuição da produção de espermatozoides.
A ausência ou diminuição do hormônio LH ou da testosterona também são lesivos à espermiogênese.
Em seguida, os gametas masculinos seguem pelos vasos deferentes, que medem cerca de 60 cm e conduzem os espermatozoides até os ductos ejaculatórios. Os vasos deferentes são ligados durante a cirurgia de vasectomia, o que torna o homem estéril. Alguns homens nascem sem ductos deferentes ou com obstrução nessa região, o que também leva à infertilidade.
As glândulas acessórias se compõem da vesícula seminal, da próstata e da glândula de Cowper. Elas secretam o fluido espermático e várias substâncias antioxidantes que combatem os radicais livres, que são tóxicos para todo tipo de célula, inclusive para os espermatozoides.
A vesícula seminal produz frutose, que serve de combustível para os gametas masculinos. Também é lá que são sintetizadas substâncias responsáveis pela coagulação do sêmen, importante para mantê-lo no interior do trato genital feminino. Como ocorrem com os vasos deferentes, alguns indivíduos podem nascer sem glândulas seminais.
Os ductos deferentes, ao se unirem aos ductos das glândulas seminais, formam os ductos ejaculatórios e penetram na próstata.
A próstata produz uma enzima que liquefaz o esperma, permitindo que ele se torne fluido e facilite o contato entre espermatozoides e óvulo. Na próstata, os ductos ejaculatórios se unem e o sêmen passa para a uretra, canal do interior do pênis, órgão que, por meio da cópula, permite que os espermatozoides cheguem à vagina após a ejaculação.
Em resumo, o sêmen é uma mistura de espermatozoides, produzidos em minúsculos canais no interior do testículo, em temperatura mais baixa, a partir de células germinativas, que se armazenam, amadurecem e ganham mobilidade no epidídimo; essas células se juntam ao líquido prostático, das glândulas seminais e de Cowper, já quase na base do pênis. Fluido rico em nutrientes para os espermatozoides, o líquido prostático se coagula para que possa se fixar à vagina e não escorrer, e mais adiante se liquefaz, permitindo a movimentação dos gametas masculinos.
FATORES QUE ALTERAM A FERTILIDADE MASCULINA
Diversos distúrbios podem causar a infertilidade masculina.
Aproximadamente 40% dos casos ocorrem devido à varicocele, 40% são causados por agentes idiopáticos, ou seja, por motivo desconhecido. (Hoje, se acredita que essas perturbações ocorram por mutações genéticas.) Os outros 20% são uma mistura de fatores: alterações hormonais, trabalho em temperatura muito elevada, infecções, distúrbios anatômicos congênitos dos ductos ejaculatórios do trato genital masculino, intoxicações por drogas ou agrotóxicos, quimioterapia e radioterapia.
O uso de anabolizantes, por atletas ou indivíduos que queiram aumentar a massa muscular, também prejudica a fertilidade, pois essas substâncias diminuem a produção de LH e consequentemente de testosterona nos testículos, o que reduz a espermatogênese.
Outras drogas que interferem na contagem espermática são alguns antibióticos usados no tratamento de gastrite e úlcera, e no tratamento de doenças intestinais. Drogas ilícitas também são lesivas, bem como o uso abusivo do álcool e do fumo.
Quanto mais relações sexuais e masturbações, menor a concentração espermática. Mas, no caso das relações sexuais mais frequentes, esse fato é compensado, pois os espermatozoides sobrevivem pelo menos 48 h no trato genital feminino.
Vários tipos de lubrificantes disponíveis no mercado são tóxicos para os espermatozoides. Os naturais, porém, como o óleo vegetal, a clara de ovo, a glicerina e alguns cujo rótulo consta não espermaticida, não são nocivos.
A varicocele consiste na formação de varizes nas veias da bolsa escrotal, onde estão alojados os testículos. A dilatação dessas veias prejudica o fluxo sanguíneo local e a troca de nutrientes, e causa o acúmulo de substâncias tóxicas, bem como o aumento da temperatura local. Tais desordens podem provocar alterações na quantidade e na qualidade dos espermatozoides.
Acredita-se que até 15% dos homens férteis apresentem pequenas varicoceles. O diagnóstico é feito pela palpação dos testículos. Somente as varicoceles maiores causam infertilidade e estas podem ser percebidas pelo exame clínico. Raramente há necessidade de ultrassonografia do escroto para diagnóstico.
O tratamento da varicocele é cirúrgico, mas os resultados sobre a restauração da fertilidade são controversos.
QUANDO PROCURAR AJUDA
A avaliação da infertilidade masculina deve ser iniciada como na mulher: após um ano de tentativas malogradas.
O estudo antecipado é necessário caso o homem tenha antecedente de trauma, caxumba com acometimento dos testículos, infecções na uretra (canal por onde o sêmen é ejaculado) ou criptorquidia (o testículo, em vez de descer para a bolsa escrotal, fica escondido no abdômen). O fato de o homem já ter filhos não o isenta da análise diagnóstica; nada impede que ele tenha sofrido uma infecção genital ou sido acometido por um problema hormonal após a concepção do último filho.
A investigação inicial é feita por meio de dois espermogramas, com um intervalo de um mês entre eles.
Muitos homens se sentem constrangidos em colher o sêmen no laboratório. Nesses casos, a coleta pode ser realizada em casa, desde que a amostra seja transportada na temperatura do corpo e examinado em, no máximo, uma hora.
O sêmen deve ser colhido após um período de abstinência ejaculatória de três a sete dias. A Organização Mundial de Saúde (OMS – 2010) estabeleceu os parâmetros
normais do espermograma como:
• Volume ≥ 1,5mL;
• Concentração acima de quinze milhões de espermatozoides/mL;
• Motilidade acima de 32% di tipo A (o espermatozoide que se move rápido em linha reta) e tipo B (o espermatozoide que se move em linha reta, porém lentamente);
• Mais que 4% dos espermatozoides devem ter formato normal.
A presença de mais de um milhão de glóbulos brancos (leucócitos) no esperma indica infecção. Alterações na viscosidade e no pH podem revelar distúrbios nas glândulas acessórias. Espermatozoides aderidos uns aos outros (aglutinação) são um sinal da presença de autoanticorpos antiespermatozoides, o que prejudica a mobilidade e o funcionamento deles. Os autoanticorpos se formam porque, por algum motivo, o sêmen entra em contato com o sangue, que passa a considerar o espermatozoide como algo estranho ao organismo, um vírus, uma bactéria, liberando proteínas de defesa, os anticorpos, que se fixam a um ou mais espermatozoides, provocando a aglutinação.
Embora esses sejam os indicadores considerados normais pela OMS, temos que lembrar que a fertilidade é um processo que envolve duas pessoas. Por isso, alguns homens podem ser capazes de provocar a gravidez com cifras subnormais graças ao status fértil da esposa.
Por outro lado, as parceiras de alguns homens com índices normais não engravidam.
Um estudo revelou que homens com menos de 13,5 milhões de espermatozoides por ml e com menos de 32% de motilidade têm maior probabilidade de infertilidade, ao passo que, com contagens superiores a 48 milhões por ml e mais de 63% de mobilidade, raramente são inférteis. Portanto, há um grande intervalo entre os dois grupos, no qual a fertilidade é indeterminada.
Além disso, a análise seminal é uma referência precária da função do espermatozoide, ou seja, embora todos os parâmetros estejam normais, não há garantias de que aqueles espermatozoides de fato sejam capazes de fertilizar o óvulo. Alterações no espermograma devem ser analisadas pelo andrologista ou por um urologista especializado em reprodução humana.
Do mesmo modo, quando o sêmen e todos os exames da mulher são normais ou quando ela tiver um fator que já tenha sido tratado, mas a infertilidade tenha persistido, uma análise mais profunda do parceiro deve ser realizada.
Dependendo da história clínica do paciente e do exame físico, o especialista poderá solicitar outros exames tais como:
• Dosagens hormonais
Se a suspeita for de origem endocrinológica, FSH e testosterona e, eventualmente, LH e prolactina. Esses hormônios interferem de algum modo no processo da espermatogênese. Alterações na sua produção às vezes são causadas por tumores cerebrais. Nesse caso, deve-se solicitar uma tomografia ou ressonância magnética do cérebro.
• Ultrassonografia transretal
Quando há suspeita de obstrução dos ductos ejaculatórios ou ausência de glândulas do trato genital masculino. Isso ocorre quando há ausência de espermatozoides no sêmen (azoospermia) e o volume espermático é baixo.
• Ultrassonografia escrotal
Quando o exame clínico é difícil ou há suspeita de tumores testiculares. Esse exame permite avaliar o tamanho dos testículos. Não é recomendado para pesquisa de varicoceles, pois pequenas varicoceles não devem ser tratadas cirurgicamente e as grandes varicoceles podem ser detectadas durante o exame clínico, na palpação dos testículos.
• Estudos genéticos
Tudo o que é produzido no nosso organismo ou no de qualquer animal, vírus ou bactéria, se faz após um comando de determinado gene, que é um conjunto de DNA, substância que vai ditar as nossas características. Os genes estão agrupados nos cromossomos, que na espécie humana são 23 pares.
Os genes que capitaneiam a formação dos espermatozoides estão localizados no cromossomo Y.
• Estudo dos cromossomos
Quando há azoospermia sem obstrução dos ductos excretores ou quando a contagem de espermatozoides está abaixo de um milhão de espermatozoides/ml, deve-se pesquisar o cariótipo (estudo dos cromossomos), pois o paciente pode ter um cromossomo Y ou X a mais. Também se pode investigar microdeleções no cromossomo Y, quando parte desse cromossomo que contém os genes responsáveis pela espermatogênese está ausente. Na azoospermia obstrutiva, em que se suspeita da ausência dos ductos deferentes, a diligência é pelo gene do receptor da fibrose cística, uma doença que, além de causar infertilidade, pode provocar perturbações respiratórias, pancreáticas e intestinais. Existe o risco de que essas desordens passem para a prole, e o casal deve discutir essa situação antes de prosseguir o tratamento.
O que diferencia uma azoospermia obstrutiva de uma não obstrutiva é o tamanho dos testículos. Na obstrutiva, o tamanho dos testículos é normal, podem se palpar os epidídimos ingurgitados, repletos de espermatozoides, e os hormônios estão normais. Ao contrário, na azoospermia sem obstrução, o defeito é na fabricação dos espermatozoides; os testículos, bem como os epidídimos, estão diminuídos, podem-se palpar os vasos deferentes, e o hormônio FSH, produzido na hipófise, se eleva, como reflexo do mau funcionamento testicular.
• Biópsia testicular
Este exame pode fazer a distinção entre as causas da azoospermia obstrutiva e da não obstrutiva. Vai revelar se há presença ou não de espermatozoides maduros ou de suas células precursoras. Quando há maturação espermática normal, trata-se de azoospermia obstrutiva, cujo prognóstico em termos de tratamento é melhor. Os espermatozoides são retirados do testículo e pode-se fazer a injeção intracitoplasmática dos mesmos com melhores resultados do que no caso da azoospermia não obstrutiva, que nem sempre tem tratamento.
Existem várias técnicas de retirada de espermatozoides dos testículos:
• Aspiração de espermatozoides do epidídimo (MESA)
Coleta o esperma dos homens com bloqueio dos ductos reprodutivos, tais como vasectomia ou a ausência congênita dos vasos deferentes, em que os testículos produzem espermatozoides, mas eles não são excretados.
• Aspiração epididimária percutânea de espermatozoides (PESA)
Aspiração de espermatozoides do epidídimo por meio de punção.
• Extração testicular do esperma (TESE)
Remoção cirúrgica de tecido testicular na tentativa de coletar esperma vivo.
• Pesquisa de anticorpos antiespermatozoides
Quando todos os parâmetros são normais e os espermatozoides estão aglutinados e com pouca motilidade. Os fatores de risco para se desenvolver anticorpos antiespermatozoides são vasectomia, ausência congênita dos vasos deferentes, criptorquidia, antecedente de trauma ou cirurgias no testículo e infecções do epidídimo. Essas são situações em que pode haver contato do sêmen com o sangue. Na presença de anticorpos, o esperma perde a capacidade de penetrar o muco cervical bem como de aderir ao óvulo, para que ocorra a fertilização.
• Capacitação espermática
Teste em que o sêmen é lavado com meio de cultura com substâncias idênticas às existentes no trato genital feminino. Serve para retirar as impurezas e os espermatozoides mortos e imóveis, e promover reações bioquímicas que tornam os gametas mais rápidos e aptos para fertilizar o óvulo. O resultado final pode revelar se o tratamento pode ser feito com inseminação artificial ou necessita de fertilização in vitro.
• Teste de fragmentação do DNA
Os parâmetros de quantidade, motilidade e morfologia dos espermatozoides são avaliados pelo espermograma. Entretanto, recentemente foi comprovado que o índice de fragmentação de DNA espermático (IFDE) também influencia a qualidade dos espermatozoides. O índice não pode ser analisado pelo espermograma, mas pode ser investigado pelo teste de Tunel. Indivíduos com os indicadores de espermograma alterados têm maior IFDE que os sem anormalidades no espermograma, e mesmo aqueles com índices espermáticos normais ao espermograma podem apresentar alto IFDE, o que pode ser motivo de uma infertilidade sem causa aparente. O DNA do espermatozoide maduro é uma estrutura compacta, condensada, onde as informações genéticas estão protegidas de danos. A fragmentação do DNA pode promover a descondensação do DNA, modificando o volume da cabeça do espermatozoide, sua fisiologia e o bloqueio da capacidade de expressar os genes.
Embora as causas da fragmentação do DNA não sejam totalmente conhecidas, sabe-se que pode ser influenciada por dietas, uso de drogas, febre alta, temperatura testicular elevada, poluição, fumo, varicocele, traumas testiculares, câncer e idade avançada. Esses são fatores que promovem o aumento das espécies reativas de oxigênio (EROS), substâncias nocivas que causam danos no DNA dos espermatozoides. Com exceção da idade, a exposição a esses fatores pode ser transitória, por isso pode haver melhora na fragmentação do DNA com o decorrer do tempo.
A taxa normal é de até 30% para o índice de fragmentação do DNA. Cifras superiores não excluem a possibilidade de fertilização normal, desenvolvimento embrionário e uma gestação a termo; porém, elas estão associadas com uma redução significativa de gravidez e aproximadamente o dobro de abortamentos.
O homem que apresenta resultado positivo nesse teste pode se beneficiar do tratamento com agentes antioxidantes como a vitamina C e E, antes de se submeter à fertilização.
Estudos recentes relatam menor IFDE em espermatozoide testicular, uma vez que essa fragmentação se dá no nível pós-testicular, principalmente no epidídimo, abrindo uma possibilidade a mais de tratamento. Constatou-se aumento na taxa de implantação embrionária e gestação clínica ao se utilizar espermatozoides oriundos de extração testicular em indivíduos com alterações espermáticas graves.
Às vezes, a cura pode consistir no tratamento de alguma infecção por meio de antibióticos ou em uma cirurgia para varicocele. Caso contrário, o ICSI é um recurso magnífico que revolucionou a reprodução humana e transformou em pais em potencial, homens que até então não tinham a menor chance de ter filhos por meio dos seus próprios espermatozoides. Se o que falta é só a fertilização dos óvulos, o ICSI pode fazer isso muito bem.